segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

A POPULAÇÃO DE NOVA FRIBURGO ESTÁ EM PÂNICO COM AS CHUVAS QUE COMEÇAM A DESABAR SOBRE A CIDADE AINDA DESTRUÍDA, PODENDO REPETIR-SE O DESASTRE QUE NÃO TEM NADA DE NATURAL. ENTENDA PORQUÊ.


A Praça do Suspiro no Centro antes da tragédia
Os governos Federal e Estadual deixaram a população p’ra lá e o prefeito embolsou o dinheiro das obras destinado à reconstrução da cidade

A mesma praça destruída pelo desastre cultural de Friburgo

(Um estudo e uma reflexão sobre o que ocorreu na Região Serrana Fluminense que deixou centenas de mortos e feridos e destruiu o patrimônio na maioria dos casos de gente que viu ir enxurrada a baixo o pouco que tinha - que decidi publicar no Blog. 
Arnaldo Moreira)

Este pode ser um cliché de tão repetido que já foi e é, mas a verdade é que a vida é feita de escolhas, e são essas escolhas que definem a vida de cada um, o modus vivendi dos grupos sociais e numa forma mais ampla das nações.

Dependendo das escolhas que fazem, as pessoas definem sua linha política, seu nível de honestidade, seriedade e honradez, são mais ou menos combativas ou permissivas, mais ou menos intelectualizadas, mais ou menos envolvidas com o meio que habitam.

É nesse âmbito que tramita o poder da mente e da maneira como é utilizada depende o comportamento de cada um.  A mente é o instrumento que o ser humano dispõe para decidir, viver de forma sustentável, inteligente e sem conflitos.

Só usando a mente as pessoas conseguem praticar ações éticas, escutar-se e não aceitar “sugestões” que as corroem mental e fisicamente, e que não são alimentadas por atitudes mentais e sim por vetores externos de alta potência sugestiva – consumismo, vaidades, ofertas, despertadores de desejos, ânsias, promessas de riquezas, de gozos fáceis, entre tantos outros.

A todo o instante somos induzidos a agir contra nossos desejos mentais de que só nos lembramos quando conseguimos nos interiorizar, mas que rapidamente a maioria de nós esquece tamanha a força dos que o professor Evandro Ouriques chama de culpados externos que nos incentivam a esquecer a nossa cultura nata para comprar os seus chamativos e irresistíveis produtos.

Quem em sã consciência, no pleno controle de sua mente, aceitaria respirar o gás carbônico das fábricas e dos automóveis, concordar construir – e nós mesmos as construímos – usinas nucleares, sabendo de antemão que podem explodir, liberar gases letais e causar estragos humanos incomensuráveis?

Afirmo que os poderosos – em torno de 50 conglomerados, de acordo com recente notícia publicada na Imprensa – que controlam o mundo usando a sua mais eficiente arma social, o capitalismo, qual sereia que com seus poderes mágicos encanta pescadores e quem não se precaveu contra tal canto, conseguem no mesmo passe de mágica direcionar e dirigir seus encantos dominando as mentes das massas através de uma perfeita rede sincronizada de ações globalizadas, subornando-as nos anúncios de belos carros, de espantosas moradias, de mulheres (e homens) atraentes, de ofertas de facilidades que não passam de um engodo hipócrita facilmente comercializado aproveitando-se da compulsão pelo consumo que eles mesmos, os donos das mentes, fomentaram nos out doors da ilusão.

É assim em todos os campos da sociedade que vivemos, de que participamos. E está presente na mulher que já tem em seu armário 1.845 sapatos, mas não resiste a aumentar seu “estoque” em mais alguns pares ao passar pela vitrine de uma iluminada loja.

A mesma compulsão, desejos no fundo semelhantes, levam milhares de seres humanos a adquirir apartamentos em determinada área de uma cidade já densamente ocupada e que é todos sabem não possui infraestrutura para tanta gente.

O número de edifícios cresce diante das ofertas de facilidades de toda a ordem que escondem o que deveria ser preocupação das autoridades que regem os serviços básicos: fornecimento de água e eletricidade, sistemas de esgotamento sanitário e os serviços viários.

O exemplo mais flagrante dessa desordem urbana é Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, um bairro em que predominava a habitação horizontal e que a ganância pelo lucro fácil verticalizou em menos de duas décadas de forma descontrolada, mas legalizada à custa de gordas propinas pagas pelos empreendedores aos servidores públicos envolvidos direta e indiretamente na liberação dos projetos, custos obviamente inseridos nos preços dos imóveis.

O custo dessa insanidade e da desonestidade e falta de ética, além das dificuldades primárias dos serviços públicos incapazes de atender a uma demanda dessa natureza, é o pago diariamente pelos moradores quando tentam entrar ou sair de casa: as artérias do bairro tomadas por um poluidor trânsito descomunal, incompatível com a sustentabilidade do bairro invadido, ficaram intransitáveis e quando chove um pouco mais se transformam em pântanos de excrementos, rios de lama da irresponsabilidade – e da ausência do uso da mente sustentável.

As pessoas no afã de se acomodar, de subir na vida, deixam-se hipnotizar pelo canto das sereias da mídia e embarcaram nessa nau sem atinar que navegarão no mar revolto da incapacidade pública e de sua própria inaptidão para se enxergar a nuvem negra que encobre um oceano de problemas, qual Triângulo das Bermudas em que passarão a navegar.

É assim também com a família que deseja viver em meio à natureza e “por coincidência” se depara com um belo anúncio muito bem marketado, atraentemente editado e diagramado oferecendo uma casa de campo incrustada em plena mata, longe do borburinho da cidade, mas perto de serviços urbanos que tornarão sua vida um mar de rosas, em Nova Friburgo.

E a família programa um sábado para conhecer seu recanto de recarga de baterias, para enfrentar o stress da cidade. É lindo o lugar, a casa na beira da encosta, confortável, espaçosa, envolvida pela natureza, pássaros cantando, o ladrar de um cão aqui e ali e o que mais admira a família o rio correndo ingênuo, mas ligeiro atrás do Lar Feliz, como passou a chamar-se. 
- Ah, que encanto, que alegria, que sorte ter achado essa casa. 
Negócio fechado e pé na estrada, rodando na felicidade da insustentabilidade.

A alegria pela aquisição do Lar Feliz é imensa e todos os fins de semana a família ruma para sua casa de Friburgo empoleirada na encosta rodeada de árvores, em meio a um belo campo gramado, verde, viçoso. A família depois de alguns meses já fez amigos entre a vizinhança, toda vivendo a felicidade que parece escorregar do alto do morro para suas vidas.

Em conversa com os amigos, a família descobre um dia que a casa que comprara fazia parte tempos antes de um loteamento vendido por um empreendedor que inicialmente teve problemas com a legalização das construções, junto aos órgãos ambientais oficiais, exatamente pela “necessidade do projeto” de construir na encosta do morro, mas logo surgiram laudos atestando a segurança das encostas e tudo foi resolvido, abafando as poucas vozes advertindo que os laudos de nada serviriam quando a natureza escorregasse encosta abaixo.

A montanhosa cidade de Nova Friburgo não era a única privilegiada pela ocupação imobiliária desordenada de um lado gerada pelas famílias de posses que adquiriam terrenos a preço de ouro e de outro o clientelismo e o paternalismo políticos inchando essas encostas com famílias pobres sem opções nenhumas de moradia além das oferecidas e/ou permitidas pelos políticos.

Nas épocas de chuvas, assim como Jacarepaguá, Friburgo, Teresópolis e Petrópolis passaram a sofrer os efeitos da ocupação imobiliária desordenada. Deslizamentos de terras que arrastavam barracos e casas menos seguras barranco abaixo, mas nada que chamasse tanto a atenção dos moradores descobrirem o perigo que os rondava, mas a cada período de chuvas as consequências eram mais graves, um verdadeiro alerta vermelho para um perigo eminente.

A família de Friburgo vezeira habitante de final de semana de sua casa também nunca atinou, nem tinha tempo para isso, para os deslizamentos que aconteciam em morros ao redor de sua casa. Era, no entanto, incapaz de gestar seus arranjos produtivos mentais e não descobrira que para continuar viva teria de lançar mão de sua mente sustentável.

Descobriu isso muito tarde, assim como todos os outros que não resistiram ao avanço implacável da natureza que no dia 10 e 11 de janeiro de 2011 respondeu à corrupção, à irresponsabilidade, à desordem urbana, ao descaso da forma mais cruel: desabou em meio a um temporal sobre a cidade, escorregou pelos morros levando tudo o que estava pela frente e com ela a família feliz do Lar Feliz que um dia esqueceu-se de que nem tudo o que luz é ouro.

O desastre logo denominado natural foi alvo do interesse da décima edição (em cinco anos) do Curso de Extensão de Jornalismo em Políticas Públicas e Sociais, oferecido pela Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e orientado pelo  professor Evandro Ouriques, que passaram a analisar o caso, como trabalho final do curso.

O que logo ficou claro foi o erro crasso na denominação da tragédia. O ocorrido em Friburgo não tem nada de natural. Foi um desastre cultural. Gerado pela cultura do insustentável, pela prevalência dos interesses pessoais sobre a natureza e o meio ambiente.

O tsunami que destruiu o Japão foi um desastre natural. O terremoto que arrasou o Haiti foi um desastre natural. A enxurrada que atingiu Nova Friburgo foi um desastre cultural provocado pela falta de cuidado com a natureza e o meio ambiente que nos cerca.

O permissivismo, omissão, inércia das pessoas diante das alterações culturais exercidas sobre a natureza – de um lado, feitas à sua (na verdade, à nossa) nossa revelia, e de outro com a devida permissão – em que ploriferam os princípios capitalistas tão naturalmente arraigados à nossa mente, tornando-a insustentável, e a força que isso exerce sobre nós, impede a nossa reação e faz com que consideremos natural tudo que nos é vendido pela mídia.

O canto da sereia do capitalismo é irresistível e temos de reconhecer que o capitalismo é extremamente idealista. Como diz o professor Evandro Ouriques, o idealismo do capitalismo é tão soberbo que não gosta, aliás, odeia a matéria: se gostasse, enfatiza o professor, amaria as pessoas, preservaria os recursos naturais.

Essa sábia sentença deixa claro que o capitalismo gosta é de controlar tudo o que gravita à sua volta e faz isso com uma maestria impecável, a ponto de esse controle formar uma rede eficiente e eficaz envolvendo seus obedientes usuários, que destrói os desejos libertários natos de cada um, distorcendo esses desejos libertários que passam a ser possuir um carro luxuoso, confortável, potente, ter uma casa localizada em área nobre, ricamente decorada, apesar de paga a peso de ouro e de nem sempre dentro de suas posses, sabe-se lá a que custo, para atender às vaidades sociais.

Mas um dia a natureza se levanta cansada de ser vilipendiada, atingida, arrasada e cobra caro, muito caro, todas as investidas que sofreu e numa enxurrada leva de roldão o Lar Feliz encosta a baixo com todo o recheio material e a família que um dia a adquiriu levada pelo anseio de possuir sem questionar seu território mental.

E assim é notícia anônima no mundo todo: